quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Cuidado! A Internet pode te deixar mais burro.

Cuidado! A Internet pode te deixar mais burro.

A dinâmica da Internet faz com que nosso cérebro funcione de uma maneira diferente. Ele passa a perceber as coisas de uma maneira muito superficial e, o que é pior, se acostuma com isso. Veja como e por que isso acontece e aprenda a prevenir-se.

Por Rodolfo Araújo

Nicholas Carr escreveu um livro ímpar, uma obra-prima sobre uma revolução tecnológica, cultural e biológica que nos deixa cada vez mais distantes dos... livros. Este aparente paradoxo resume grosseiramente o conjunto de ideias mais perturbador com que tive contato nos últimos tempos.

Desde seu provocativo ensaio Is Google Making Us Stupid?, publicado em meados de 2008, Carr vem discutindo a forma como a Internet e sua ubiquidade vêm transformando não só a maneira como vemos o mundo, mas também nossos relacionamentos e, em última instância, nossos cérebros.

Em The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains (W. W. Norton & Co., 2010 - disponível também na Livraria Cultura), Carr constroi sobre o tema de forma magistral. Ele contextualiza o assunto através das várias revoluções ocorridas desde que começamos a viver em comunidade concentrando-se, ainda, nas mudanças relacionadas com o armazenamento e a transmissão do conhecimento.

Antes da escrita, conta o autor, todo o conhecimento acumulado por uma geração era transmitido à seguinte de forma oral. A quantidade de informação limitava-se, portanto, à memória das pessoas, ajudada por rimas e canções, mas atrapalhada por versões e interpretações.

Da pedra para o papel, a escrita também experimentou importantes alterações, que hoje parecem inimagináveis. Como ainda representava a derivação de uma tradição oral, a leitura era feita em voz alta. Parte disso era para tentar entender o que o emaranhado de letras significava, já que não havia espaços entre as palavras, tampouco regras gramaticais ou de sintaxe definidas.

Somente quando a escrita passou a ser padronizada e os espaços foram introduzidos, o leitor pôde dedicar-se mais ao próprio significado do texto do que ao ato de decifrá-lo. A leitura passava a ser, neste momento, um exercício de introspecção e reflexão, criando uma ética toda própria, abrindo caminho e disponibilizando as ferramentas para as revoluções culturais seguintes.

As inovações posteriores trataram de difundir e popularizar a escrita e a leitura. Tanto a prensa de tipos móveis de Gutenberg quanto o barateamento da produção de papel impulsionaram o mercado editorial, multiplicando o volume dos textos impressos. Quantidade e qualidade estabeleceram indústrias seculares e resistiram à chegada do gramofone, do cinema, do rádio e da televisão.

De acordo com Nicholas Carr, no entanto, o livro está prestes a sucumbir à Internet. Mas ainda que esta afirmação pareça lugar-comum a cada lançamento de e-reader, os motivos apresentados pelo autor são diferentes e muito, muito preocupantes. Para ele, a dinâmica da Rede vem alterando os mais básicos processos cognitivos envolvidos na leitura, inclusive em nível biomolecular.

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Antes de prosseguir com suas idéias, Carr precisou destruir um dos mais arraigados - e errados - mitos sobre o cérebro humano: a falácia de que ele se define inteiramente nos primeiros anos de vida. A maior parte da nossa estrutura neuronal constitui-se nesta fase, de fato, mas diversos estudos recentes comprovam que novas conexões podem ser formadas, desde que haja estímulos para isto - do mesmo modo que estruturas ociosas também são desfeitas.

Na vida real, Tarzan e Mowgli jamais aprenderiam a falar

Pacientes que tiveram áreas do cérebro comprometidas por traumas ou tumores conseguiram que outras regiões saudáveis assumissem suas atividades, reforçando a tese da neuroplasticidade.

Mas assim como esta flexibilidade ameniza, em certo grau, o determinismo genético, as habilidades abandonadas desde cedo podem ser irremediavelmente perdidas, conforme suas estruturas são redirecionadas.

Ainda que a desatenção seja o estado natural do nosso cérebro (resquício de ter que cuidar das crianças, espreitar a caça e se proteger do tigre-dente-de-sabre ao mesmo tempo), nos últimos quinhentos anos conseguimos nos reeducar para realizar atividades intelectuais mais complexas.Tais alterações não ocorrem no âmbito genético, mas através da educação e convivência, moldando o cérebro de acordo com as necessidades específicas de cada indivíduo, cada contexto.

As últimas décadas, porém, parecem ter iniciado a reversão deste processo. Quando uma página de Internet nos bombardeia com banners, pop-ups, cores, sons, vídeos e outras distrações - além dos onipresentes emails, mensagens instantâneas, SMS, BlackBerries e iPhones - está minando nossa capacidade de concentração. Ler um texto com hyperlinks implica perguntar-se constantemente se devemos clicar ou não - e o mesmo vale para banners, pop-ups e que tais. Percorrer a tela com um mouse demanda uma atividade motora mais complexa do que virar páginas.

Navegar na Internet requer, portanto, uma série de atividades cognitivas que concorrem com a interpretação e processamento daquilo que se lê. Isto consome, por conseguinte, boa parte da nossa memória de trabalho, dificultando sua posterior transformação em memória de longo-prazo.

A acelerada dinâmica da Internet promove, paulatinamente, o estilhaçamento da nossa atenção, comprometendo-a não apenas enquanto estamos online. A outrora agradável leitura de um livro tornou-se, para muitos, um impossível exercício de concentração. Quando perde-se o foco, vai-se também a capacidade de raciocinar de forma coerente e criativa. A festejada plasticidade neuronal representa, então, uma via de duas mãos, pois os maus hábitos podem ser incorporados tão facilmente quanto os bons.

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Em algum momento na história humana, determinadas tecnologias tiveram impactos profundos em nossa forma de pensar e enxergar o mundo, mudando nossa percepção da realidade. Com o advento dos mapas, aprendemos a representar o que não víamos, identificar o que não conhecíamos. Em ambos os casos, desmaterializamos o raciocínio e passamos a exercitar o pensamento abstrato.

Com os mapas, passamos a desenhar o que não víamos

Com o relógio mecânico - ou o ato de observar a passagem do tempo - dividimos nossa existência em pedaços sincronizados e localizados dentro da eternidade.

Nossas rotinas assumiram o caráter mecânico, científica e rigorosamente cronometradas pelo instrumento recém-criado. Como o rabo que balança o cachorro, o instrumento passou a determinar o que medir.

Ambos os exemplos representam caminhos sem volta. A adoção de novos instrumentos inibe algumas das habilidades substituídas - e estas podem ser perdidas para sempre.

Em seu clássico Understanding Media: The Extensions of Man Marshall McLuhan já alertava que este tipo de problema poderia acontecer, na medida em que o foco da mensagem migra para o meio em que ela transita. Nos idos de 1964 McLuhan escreveu que nossas ações e pensamentos sofrem mais influência do meio de comunicação do que do próprio conteúdo, no longo prazo. Para ele, "[Os] efeitos da tecnologia não ocorrem no nível das opiniões e conceitos, mas na alteração de padrões de percepção, de forma contumaz e sem resistência".

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Esta nova relação com o texto escrito parece não chamar a atenção porque as mudanças foram sutis e graduais. Além disso, procuramos prestar atenção apenas no que lemos - e não na forma como lemos. Mas as publicações de hoje têm mais fotos e menos textos. Quantas páginas de um livro você consegue ler de uma vez? Aliás, você ainda lê livros*? E quando foi a última vez que escreveu um texto no papel, sem um editor de textos? Foi fácil?

Claro que a evolução da tecnologia traz também enormes benefícios, como mais acesso a um número maior de obras. Outra vantagem apontada por Carr é que com a possibilidade de constantemente revisar e editar sua obra, o autor não tem mais a pressão de escrever um texto perfeito logo na primeira tentativa.

Nada disso vale, contudo, se ninguém quiser ler. Se ninguém tiver paciência para chegar até o final de um texto que precise de mais de dois Page Downs. Ou se o autor - que também é leitor - não conseguir sair da superficialidade em que todos parecem estar se afogando.

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* O mesmo problema da impaciência para ler livros ocorrerá também com os e-readers, já que a dificuldade está em concentrar-se. Aliás, na medida em que tais dispositivos incorporam as características da Rede (links etc.), passam a ter os mesmos obstáculos à uma leitura mais tranquila.


Fonte: http://administradores.com.br/informe-se/artigos/cuidado-a-internet-pode-te-deixar-mais-burro/49293/

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